quinta-feira, 21 de março de 2013


...
Aquele beco escuro da Al. Augusto Stellfeld de Curitiba
que desembocava sempre
na rua estreita dos prédios antigos
e altos de tijolos avermelhados
salpicados de pichações antiquadas de tempos imemoriais,
fazia parte da sua infância e não se ouvia um grito, 
uma lamentação, 
um choro, 
nada,
apenas o ruído distante de gatos vagabundos e insanos que
devaneavam pelos telhados enlodados e rançosos, 
completamente maculados pela chuva 
e estava claro que
ninguém poderia estar mais sozinho do que você, ali. 
Sua noite tresnoitada, sua mente tão vazia;  
seus passos acovardados,
empossados e em desalinho,
indicava o quão miserável um homem pode tornar-se.

Quantos ônibus já passaram 
por este ponto esfarrapado com estes cartazes apagados
logo após este beco imundo?

Você é mais um doente insone
e sem cigarros ou perspectiva e não posso
deixar de te perguntar:
 Não se acabou o uísque, os sapatos lustrados
e as sedas
e as soirées e a boemia e a família?
O que sobras a ti, 
então, 
além dos vícios ignominiosos de uma vida de perdição e descaso?  
Por que diabos 
te preocupas com este cachorro que late para o vento tão placidamente?
Veja, sua pele de nada serve
e
em seu lugar
eu mendigaria esta companhia e me aconchegaria nela,
olhando sempre dentro destes olhos caninos de azeviche,
onde certamente sua vida toda se passa.
 Zhiu, zhiu, zhiu... 

Chame-o! 

Cachorrinho, cachorrinho, cachorrinho...
Conte-me,
por que guardas tais recordações?


Pois sim, és tu, Deus!
Te pergunto, portanto, divino vira-lata:

Lembra-te ainda dos Jazz dançados na década de 60,
das farras hippies sem preocupações,
quando este homem senil e em frangalhos possuía aquele Cupê vindima, 
da Ford?
E sua notável esposa,
parisiense 
exilada,
ostentando beleza, 
amiúde admiração e quase sempre contentamento,
lembra-te?, 
oh grande pai, possuidor de todas as memórias! 

Nancy, Nancy, Nancy, eu grito! 
Sempre dentro de lindos robe-de-chambre
a esperá-lo,
com sua linda cabeleira negra e suas mãos castas...
Tudo decai e se desconstrói,
deixando-nos perdidos,
sem rumo... 
Dog, Deus, Dói. 
E tu,
oh Grande Cachorro, 
que és Deus e trás consigo em suas vísceras toda a dor de minha existência,
só consegues atentar-te ao vento?
Tu, que vistes minha ascensão e minha desgraça;
minha saúde e minha miserable falta de convalescência,
só podes mesmo atentar-te ao vento? 
Pois aqui 
deito-me e espero, 
Suas explicações ou o próximo ônibus. 
(...)

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